Áreas periurbanas ou franjas urbanas estão na transição entre a zona rural e a urbana de uma cidade. São territórios complexos por serem espaços com atividades e funções sobrepostas por exemplo podem ter remanescentes florestais ou serem áreas de produção de alimentos, mas também podem abrigar grandes equipamentos industriais, infraestrutura de transporte, ao mesmo tempo. Esta complexidade tem tornado as franjas urbanas alvo da atenção tanto dos planejadores do poder público, quanto da Academia. Elas foram também objeto do estudo da arquiteta e urbanista Patricia Sanches, em seu pós-doutoramento no Programa de Pós-Graduação de Engenharia Civil, Arquitetura de Urbanismo (FECFAU) da Unicamp, sob a orientação da Prof. (a) Dr.(a) Gabriela Celani.
Sanches, que também é pesquisadora do Ceuci, desenvolveu um modelo espacial conceitual de intervenção específico para áreas periurbanas que estão em processo de intensa transformação territorial e de novas demandas, como atividades que necessitam de adensamento de pessoas e de infraestrutura, como é o caso das áreas para o conhecimento e inovação. O desenvolvimento do modelo foi realizado a partir de um estudo de caso real: o Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS).
Ela buscou criar um procedimento metodológico visando a uma ocupação humana mais responsável, sustentável e resiliente. O resultado da pesquisa foi publicado no livro “Ocupação Sustentável do Território Periurbano: método e modelo espacial para conciliar natureza e urbanização compacta”. Em formato de e-book, o livro foi publicado com apoio da Fapesp e, mais do que a comunidade acadêmica, a autora espera atingir um público técnico “mão-na-massa” e também tomador de decisões, auxiliando no planejamento de áreas ainda não urbanizadas, mas com muitas preexistências antrópicas e naturais de extremo valor.
No Brasil, esse planejamento se revela fundamental para evitar processos de degradação ambiental e de fragmentação urbana. Isso porque, conforme explica Seixas, as franjas urbanas sofrem intensa pressão nos processos de urbanização das cidades. Não é incomum que essas áreas sejam ocupadas por loteamentos informais onde se estabelecem condições precárias de habitação, com pouca ou nenhuma infraestrutura, ou ainda por conjuntos habitacionais populares que abrigam uma parcela mais vulnerável da população.
Em outro extremo, zonas periurbanas também são alvo da especulação imobiliária, acomodando condomínios e loteamentos fechados de alto padrão e baixa densidade, voltados para uma população mais abastada que busca acesso à natureza e segurança. Nos dois casos, o resultado é expor essas áreas a grandes impactos ambientais, com contaminação da água, desmatamento, fragmentação das áreas naturais, erosão, assoreamento e perda de biodiversidade. “Hoje, o que vemos é a escassez ou a ausência de diretrizes, parâmetros e instrumentos de planejamento e gestão territorial que ajudem a enfrentar os desafios das áreas periurbanas de forma regional e integrada entre os municípios e atendendo às especificidades destes ambientes”, escreveu Sanches.
Territórios do conhecimento – No Brasil, um movimento de expansão urbana mais recente tem reconhecido o potencial das áreas periurbanas como territórios do conhecimento, ou Knowledge-based developments. No estado de São Paulo, por exemplo, a instalação de vários campi universitários e de parques tecnológicos aconteceu justamente em áreas de franjas urbanas. “São regiões que se mostram atraentes e promissoras porque contam ainda com terras desocupadas favoráveis à expansão e à instalação de novos centros de pesquisa e novos negócios, como laboratórios, incubadoras de empresas, startups etc.”, destacou Sanches no livro. Esse é o caso do campus da Unicamp, no Distrito de Barão Geraldo, onde está em curso processo de criação do HIDS, Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, caso que motivou a pesquisa da arquiteta.
No entanto, segundo ela, “para que esses distritos de inovação floresçam e se consolidem, além de edifícios institucionais, eles demandam infraestrutura e atividades que promovam o encontro e a concentração de capital humano, como habitação e espaços livres públicos de qualidade, o que implica a necessidade de adensamento e vitalidade urbana. Tal demanda parece ser contraditória em um território que possui baixa densidade e fragilidades ecológicas, e, portanto, necessita de medidas protetoras”. É nesse sentido que o planejamento territorial é imprescindível, um planejamento que considere as condições locais e que busque conciliar natureza, mantendo ou mesmo aumentando as áreas verdes, e um tipo de urbanização compacta.
No modelo conceitual desenvolvido por Sanches, foram considerados três condicionantes: o relevo, a cobertura do solo (incluindo todas as formas de vegetação), o uso do solo, e a rede hidrográfica. Estas informações servem como inputs a partir das quais são feitas uma série de recomendações e diretrizes espaciais, como graus de intensidade de ocupação e uso do solo. “Levantamos aqui uma série de conceitos e condicionantes espaciais que devem ser considerados e relacionados entre si no momento de promover o desenvolvimento urbano de novas glebas que demandam maior adensamento, como usos destinados à inovação e ao conhecimento, e que se encontram na transição da área urbana consolidada à rural. Esses conceitos foram representados por meio de camadas espaciais que se somam ou se interseccionam. A sequência destas informações define não só um modelo espacial conceitual, mas um método projetual de ocupação territorial mais sustentável”, descreveu a pesquisadora.
O livro tem distribuição gratuita e pode ser acessado nesse link.
Por Patricia Mariuzzo, crédito imagem no destaque, Gabriela Celani