Em 2050 a população mundial deve chegar a 10 bilhões de pessoas. Teremos que produzir mais alimentos para atender esse contingente populacional? A resposta é não! É preciso tornar o processo de produção e consumo de alimentos mais eficiente. Um exemplo que ilustra bem o problema é que cerca de um terço dos alimentos produzidos são perdidos ao longo da cadeia, seja no campo, no transporte, processamento, nos canais de venda ou no processo de preparo. Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), essas perdas totalizam 1,3 bilhão de toneladas de alimentos a cada ano.
O sistema alimentar reúne todos os elementos e atividades relacionadas à produção, processamento, distribuição, perda, desperdício, preparo e consumo do alimento, bem como os resultados dessas atividades, incluindo os socioeconômicos e ambientais. Já a cadeia de produção de alimentos abrange todas as atividades envolvidas na transformação do alimento, desde a produção até o consumo.
Construir sistemas alimentares inovadores, mais seguros e sustentáveis não pode ser tarefa do governo ou de uma empresa. Trata-se de um desafio que demanda a participação de atores desse sistema, desde o produtor até o consumidor, passando pelo poder público, universidades, centros de pesquisa. Estabelecer um ambiente para testar novas tecnologias e modelos de produção de alimentos – um laboratório vivo do ciclo de alimentos – é uma das propostas para o HIDS.
Um projeto como esse deve contar com instituições como a Embrapa, a Cargill, a PUC-Campinas e a Unicamp, que compõem o Conselho Consultivo do HIDS, e ainda com parceiros como o Projeto COMEMOS, que une pesquisadores, voluntários e diversas entidades do setor alimentício para criar estratégias que buscam garantir a eficiência e a resiliência da cadeia alimentar do futuro. Entre as ações estão iniciativas para diminuir o desperdício de alimentos e para reduzir o uso de garrafas plásticas nos restaurantes.
Parte da área de mais de 11 milhões de m2, área total do HIDS, poderá ser ocupada por uma plataforma de inovação aberta na área de alimentos, de experimentação de tecnologias, onde os usuários são parte ativa do processo de pesquisa, com objetivo de trazer benefícios para qualidade de vida da comunidade e que pode ser replicada em outros territórios. São diversos os temas que podem ser desenvolvidos nesse laboratório. “Temos docentes atuando em projetos nas áreas de uso racional de água, tratamento e reuso de efluentes, hidroponia, produção em ambiente controlado, instrumentação e controle da produção, inteligência artificial, agricultura e zootecnia de precisão, agricultura digital, reutilização e valorização de subprodutos agroindustriais, desenvolvimento sustentável da produção, máquinas e equipamentos para agricultura familiar e outros”, disse o diretor associado da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri), Unicamp, Rafael Augustus de Oliveira.
Agricultura urbana e digital – Com a vantagem de reduzir custos de transporte dos produtos, a agricultura urbana envolve o cultivo em ambientes controlados, de culturas com alto valor agregado – como frutas, legumes e verduras – possibilita entregar produtos mais frescos, de consumo rápido, sem ou com processamento mínimo. A agricultura digital agrega aplicações de tecnologias de informação e comunicação, como a internet das coisas, robótica, automação, análise de base de dados, sensores de campo, satélites, microssatélites e drones. “Trata-se de uma área muito forte, especialmente no Estado de São Paulo, mas falta espaço para fazer experimentos por longos períodos de tempo”, aponta a pesquisadora da Embrapa Informática Agropecuária, Luciana Alvim Romani. O HIDS pode ser um laboratório de testes na área de agricultura digital e urbana. “A pandemia fortaleceu uma tendência por consumir localmente, aliada a uma preocupação com a origem dos alimentos. Isso abre espaço para projetos de agricultura urbana, há uma forte demanda de tecnologias nessa área”, acredita Luciana.
Projetos de aproveitamento de resíduos, compostos fertilizantes e reciclagem (economia circular); produção de mel de abelhas sem ferrão; produção de flores, aquicultura (peixes, algas) e reciclagem de água e até a produção de proteínas alternativas são outras ideias para esse laboratório vivo do alimento. A diretora da Faculdade de Nutrição da PUC-Campinas, Mara Ligia Biazotto Bachelli, apontou a importância de adotar iniciativas na área de tratamento de resíduos, como composteiras e biodigestores.
O diretor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCC), da Unicamp, Joao Ernesto de Carvalho sugeriu implantar no laboratório vivo um jardim de plantas medicinais. “Já existe um projeto parecido que utiliza as plantas nos postos de saúde da cidade de Campinas. A manutenção dos jardins poderia ser feita pela comunidade. Segundo ele, a FCF já tem esse caminho aberto junto aos postos de saúde de Campinas, um projeto que poderia ser reaproveitado e ampliado no HIDS para estimular a conexão da universidade com a sociedade. Além disso, a iniciativa poderia contar agregar expertises da área de biologia e farmácia da PUC e da Unicamp.
Alimentação e saúde – Ao longo da história da relação da sociedade com a produção de alimentos observamos uma mudança nas demandas e no que é considerado prioritário. Se antes a segurança sanitária, alimentar e nutricional eram únicos fatores considerados, mais recentemente outros elementos surgem, como a qualidade sensorial, a saudabilidade e a sustentabilidade. “Vemos maior associação entre alimentação, saúde e doença, o que abre espaço para novas abordagens interdisciplinares para inovação de produtos e processos”, explicou a diretora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), da Unicamp, Mirna Gigante.
De acordo com a Plant Based Foods Association, há uma forte tendência de redução no consumo de carne e leite e de aumentar o consumo de alimentos à base de plantas, especialmente pela população mais jovem. Outro tema que poderia ser explorado em um laboratório vivo do ciclo do alimento no HIDS é a chamada “plant based industry”. “Poderíamos ter uma planta piloto de processamento de alimentos multipropósito no HIDS para testar processos inovadores de pasteurização, esterilização, secagem, resfriamento, congelamento, extração etc.”, disse a professora Mirna.
Para o diretor da Centro de Pesquisa América Latina da Cargill, Carlos Prax, um laboratório vivo do ciclo de alimento no HIDS é uma oportunidade de buscar convergências entre o mundo privado e a Academia. “Queremos participar desse laboratório pela perspectiva de novos negócios baseados em tecnologias disruptivas”, afirmou.
Por Patricia Mariuzzo