Uma mesa redonda que contou com a participação do reitor da Unicamp, Antonio José de Almeida Meirelles, da copresidente do Painel Internacional de Recursos da Organização das Nações Unidas (ONU) e ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira e do vice-reitor para o Clima e Sustentabilidade da Universidade Harvard (EUA), James Stock, abriu na manhã desta segunda-feira o seminário Emergência Climática: o que a universidade deve fazer para enfrentá-la, já?, que, até a próxima quarta-feira (16), pretende reunir especialistas – brasileiros e estrangeiros – para debater a crise climática, considerada o maior desafio da história humana.
“Estamos aqui reunidos não apenas buscando respostas para essa pergunta, mas para ver resultados a partir deste evento que levem as universidades, sobretudo no Brasil, a assumirem uma posição mais agressiva, mais propositiva, mais cidadã em relação ao que está acontecendo”, disse a historiadora e professora titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Neri de Barros Almeida, que integra a Comissão Assessora de Mudança Ecológica e Justiça Ambiental (Cameja) da Diretoria Executiva de Direitos Humanos (DEDH) da Unicamp, entidade organizadora do evento.
Na abertura do seminário, a professora lembrou do historiador Marc Bloch, que, como judeu, com mais de 50 anos de idade, se alistou no exército francês para combater o exército alemão nazista na invasão da França e acabou preso e assassinado. Ela conta que, no período de prisão, o medievalista Bloch escreveu dois livros – um deles se chama Estranha Derrota – em que reflete sobre as razões pelas quais a França havia sido derrotada, e de forma tão avassaladora, rápida, inquestionável. “Por que isso aconteceu? Onde estava o cidadão? Onde estavam o Estado, o respeito, a confiança e a cidadania naquele momento?”, questionou a professora.
“Esse livro me ocorre sempre que me deparo com esse problema que estamos vivendo. Porque estamos hoje, definitivamente, dentro de uma estranha derrota. Porque o problema que estamos vivendo tem solução, mas a solução não tem avançado a contento. Então a pergunta que eu me faço como historiadora, junto com meus colegas, é: o que podemos fazer a partir do lugar onde estamos – já que todos têm alguma responsabilidade neste debate – para que não tenhamos uma estranha derrota e não tenhamos, sobretudo, uma derrota que seria, e será, definitiva?”, alerta. “Não há plano B para a espécie humana”, decreta ela.
Sustentabilidade e novas tecnologias
A mesa de abertura foi mediada pelos professores Andreas Gombert, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), e Leila da Costa Ferreira, do IFCH e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp.
Em sua apresentação, o reitor da Universidade destacou as ações em curso na Unicamp que promovem a sustentabilidade na criação de novas tecnologias e sua implementação no dia a dia dos campi. “A Unicamp é uma das universidades mais inovadoras do Brasil, líder em geração de patentes e com número expressivo de empresas-filhas, muitas delas dedicadas ao trabalho com a sustentabilidade”, comentou Meirelles.
Ele destacou os esforços da comunidade universitária em buscar alternativas para limitar a emissão de carbono e a geração de resíduos, entre os quais a instalação de unidades produtoras de energia fotovoltaica, que já corresponde a 7,5% de toda a energia consumida pelo campus de Barão Geraldo (Campinas) e 30% da consumida pelos campi de Limeira. “A Unicamp é a única universidade brasileira que participa do mercado livre de energia e, a partir de 2024, toda a energia adquirida pela universidade será 100% renovável”, pontuou.
O reitor apresentou também o trabalho realizado por centros e núcleos de pesquisa que desenvolvem novas tecnologias de sustentabilidade e fornecem subsídios para a formulação e implementação de políticas públicas que promovam também a justiça social.
“Nosso campus precisa ser um local de experimentação, de forma a tornar viáveis tecnologias para um futuro sustentável. A inovação não é feita só em institutos de pesquisa. Promover a agenda da sustentabilidade na economia e colocá-la a serviço da inclusão e da justiça social são grandes desafios”, declarou.
O reitor lembrou também do HIDS (HUB Internacional para o Desenvolvimento Sustentável) – um distrito inteligente em desenvolvimento em uma área de 11,5 milhões de m² na Fazenda Argentina, de propriedade da Unicamp –, que pretende somar o compartilhamento de espaços por empresas de tecnologia e soluções urbanas sustentáveis com a preservação da natureza.
Elevação do nível dos oceanos
A perspectiva de Meirelles é compartilhada por Stock ao falar sobre as ações de sustentabilidade desenvolvidas na Universidade Harvard. No início da apresentação, Stock mostrou uma projeção sobre o efeito que as mudanças climáticas podem ter na elevação do nível dos oceanos. Segundo os estudos, as cercanias de Boston, região onde se localizam Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), seriam duramente afetadas, deixando essas instituições debaixo d’água. “Aqui em Boston, podemos construir barreiras para evitar os efeitos da elevação no nível dos oceanos. Mas isso não é uma opção para todos”, avaliou.
De acordo com Stock, as universidades devem tentar sensibilizar não apenas a sociedade, mas também as lideranças políticas. Ele cita como exemplo o desafio de integrar as iniciativas de energia limpa dentro dos Estados Unidos, pois cada região tem um potencial diferente. Isso exigiria a construção de uma infraestrutura que vai além dos limites estaduais, o que, em sua visão, esbarra em questões políticas.
“A descarbonização não exige apenas tecnologias, mas também vontade política. Seria ótimo contarmos com uma autoridade acima dos Estados para isso, mas, hoje, nos Estados Unidos, isso é muito difícil”, revelou. Atualmente Harvard conta com o trabalho do Instituto Salata para o Clima e a Sustentabilidade, do qual Stock é diretor. A unidade dedica-se ao desenvolvimento de pesquisas e tecnologias focadas na sustentabilidade e que integrem a expertise das diversas escolas e faculdades da Universidade, de forma a criar adaptações e mitigações para o cenário das mudanças climáticas. “O que fazermos é unir nossas diversas escolas em projetos direcionados às mudanças climáticas. É necessário que acadêmicos não busquem apenas produzir conhecimento, mas coloquem ações em prática e promovam mudanças. As universidades são locais em que essas mudanças costumam ter sucesso.”
Baixo carbono
Teixeira disse que as universidades têm um papel estratégico para a construção do que chamou de “o Brasil contemporâneo”, o que inclui fazer as comunidades nas quais estão inseridas entenderem a questão climática como um desafio de desenvolvimento local e global. “As universidades conectam a comunidade ao mundo. E conectam o mundo a essas realidades”, disse. “É preciso descentralizar o conhecimento científico tradicional. É preciso entender como a gente discute o futuro a partir de agora”, acrescentou, antes de fazer uma provocação.
“Uma universidade como a Unicamp tem de ter uma agenda de mudança do clima, mobilizando a região metropolitana, os prefeitos, as lideranças, a sociedade. E, de fato, provocando o Brasil para a transformação rumo a uma economia de baixo carbono. Portanto, a transformação começa aqui (na universidade). Não precisamos esperar que a tragam. A iniciativa tem de partir daqui, para a gente poder impactar, influenciar e, realmente, transformar”, ensinou.
Ela disse ainda que as ações desenvolvidas nas universidades devem ter implicações práticas, de forma a promover mudanças concretas. Segundo Teixeira, as instituições não podem correr o risco de trabalharem apenas em um plano das ideias, mas direcionar seus esforços para mudanças palpáveis. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm alternativas de curto prazo. Cerca de 92% de nossa matriz elétrica é renovável, e isso não é pouca coisa. É preciso lidar com essa transformação entendendo as incertezas e compreendendo que o futuro não é linear”, finaliza.
Agências de fomento
A segunda mesa do dia foi uma discussão em torno do papel das agências de fomento diante da emergência climática e contou com as presenças da presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Mercedes Bustamante; de Cristina Caldas, do Instituto Serrapilheira; de Carlos Henrique de Brito Cruz, vice-presidente sênior da Elsevier Research Networks; e de Ricardo Galvão, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
“As agências de fomento — e aqui me refiro não apenas ao CNPq, mas a todas as fundações estaduais e à Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) — têm um papel importantíssimo na questão de prover recursos em temas de muita relevância para essa questão da emergência climática”, disse Galvão. “O CNPq tem, já há algum tempo, financiado projetos para pesquisa e desenvolvimento relacionados a questões climáticas. Temos, por exemplo, o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) sobre mudanças climáticas e temos tido ações muito fortes nesta direção”, diz ele. “O que está nos faltando agora, e o CNPq vai começar, é maior inserção internacional no ataque a esses problemas. Há pouco, em 8 de agosto, tivemos a Cúpula da Amazônia. Estamos analisando junto a outras agências de países pan-americanos ou com ministérios de ciência e tecnologia para termos chamadas conjuntas, porque esses problemas não são apenas brasileiros”, antecipou ele. “O problema é que no Brasil os recursos para fomento ainda são muito modestos. Temos de investir muito mais”, concluiu.
Por Tote Nunes / Fotos: Antonio Scarpinetti, da SEC Unicamp